terça-feira, 14 de julho de 2020

14 de julho na Roça - Raul Pompeia


O conto é a narrativa de um 14 de Julho na Roça, o feriado em que era comemorada a queda da Bastilha, vivenciado por um rico fazendeiro chamado Salustiano da Cunha, que se descobre, de uma hora para outra, um fervoroso republicano, decisão que aponta para o desajuste entre nosso meio rural e o liberalismo que grassava pela Europa. Publicado em 1883 no periódico Gazeta de Notícias, 14 de Julho na Roça é um conto que tem como cenário a expansão dos ideais abolicionistas e republicanos durante os últimos anos de nosso período monárquico.
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14 DE JULHO NA ROÇA - Raul Pompéia

"14 de julho é a grande data. Ecoa na história com as mesmas vibrações que deve proferir sobre o mundo a trombeta de Josafá, em plena consumação dos séculos.

A Marselhesa é o gemido humano chamado às armas.


A queda da Bastilha é o pavoroso esboroamento do passado, batido pelo futuro.


A pirâmide da opressão tinha por base o grande cárcere e por vértice a coroa do rei; o povo
devasta a pirâmide de alto a baixo; arrasa o alicerce, aniquila o píncaro.


Cai a Bastilha, morre Luís XVI.


Do cataclisma ergueu-se sangrenta a grande mão do direito humano saciado, e abriu os dedos sobre aquele caos, como as irradiações de uma estrela grandiosa e serena. 


À luz deste sol, começou a desfilar a procissão dos séculos...


Curvado um dia sobre essas páginas épicas da lenda das gerações, inclinado à beira
vertiginosa do báratro onde revoluteiam os fantasmas indistintos e medonhos daquele terremoto social, refletindo na humanidade e nos seus destinos, foi assim que o Dr. Salustiano da Cunha descobriu que era republicano. 


Muito republicano; republicano de coração. De coração e de cérebro.


Um homem da época. 


Na qualidade de Campineiro abastado e farto, tinha por si a força do ouro: o elemento moderno do poderio. No século XIX, mais do que nunca, o ouro é o metal dos cetros e das alavancas: só existe para o mando e para a força... 

Ia-lhe próspera a fazenda. As suas vastíssimas terras sumiam-se, sob as ramas escuras dos cafezais, plantados em linha, através de infinitas colinas.


As canas formavam-se por milheiros ao longo das várzeas, imitando tudo respeitáveis fileiras de incógnita milícia. As folhas do canavial refletiam o sol, como se fosse o aço de cem mil baionetas; as plantações de milho sacudiam belicosamente os penachos roxos, como as insígnias gloriosas de um imenso estado-maior.


Tudo ali estava perfilado e firme, como se faltasse apenas o grito de marcha, para os batalhões precipitarem-se... 


O Dr. Salustiano, com as mãos nas cadeiras, por baixo do pala de brim, contemplava, ufano, aquele exército fantástico que tinha sob o seu comando absoluto e despótico.
 

O próprio céu parecia fugir para cima, com o seu azul e com as suas estrelas, amedrontado por aquelas hostes, mais arrogantes, sem dúvida, que as dos bárbaros do norte, que tinham lanças para escorar o próprio firmamento.

Era um homem forte, portanto, o nosso doutor.


Podia soltar gargalhadas às barbas da prepotência corruptora do rei; podia rebelar-se, como Lúcifer, e rir do paraíso perdido; podia gritar que viesse abaixo a tirania, e recusar um
arqueamento da espinha à majestade sagrada do direito divino. 


Viva a República!


A santa causa encontrava nele um pulso valente para o combate.


Cada golpe da sua durindana democrática e demolátrica seria uma vitória para o grande partido dos direitos do homem canonizados! 


O Dr. Salustiano era entusiasta. Estava disposto a declarar guerra a tudo que não fosse
democracia republicana. Só curvaria a fronte ante a aristocracia do talento.


Para isso verdejavam-lhe os cafezais pingues; para isso, o canavial afiava as folhas umas nas outras, como espadas, e o milho cabeceava empenachado como um marechal. 


Daí vinha-lhe a força.


(...)"


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