segunda-feira, 30 de novembro de 2020

BIPA segue com as atividades suspensas

As atividades da Biblioteca estão suspensas desde o dia 18 de março, em atendimento ao Decreto Municipal 34.357/2020. Decretos posteriores determinaram a normalização do funcionamento de comércios, de alguns setores públicos e o fim do isolamento social, mas não determinou a reabertura de espaços culturais que contenham acervos como bibliotecas, museus e arquivos históricos. Deste modo, os funcionários da Biblioteca retomaram suas atividades em serviços internos, sem atendimento ao público. 

Acervos em papel, tais como livros e similares, documentos, fotografias etc, são considerados vetores em potencial de transmissão de qualquer vírus. Em um período em que lidamos com um vírus altamente letal, a recomendação de órgãos como o Sistema Nacional de Bibliotecas e o Grupo de Profissionais em Informação e Documentação (GPID) é de que as atividades de espaços culturais que contenham acervos permaneçam suspensas durante toda a pandemia e, pelo menos, até a eliminação do risco para o público.

No que concerne exclusivamente à nossa biblioteca pública municipal, outro fator importante a se considerar são os equipamentos de informática (telecentro), cujo compartilhamento também pode ser classificado de alto risco de transmissão do coronavírus.

DEVOLUÇÕES
Informamos ainda que os livros, DVDs, CDs e outros materiais emprestados poderão ser devolvidos quando a Biblioteca retornar às suas atividades normais, sem qualquer prejuízo ao usuário. A Biblioteca entrará em contato via telefone, whatsapp e/ou e-mail e informará pelas redes sociais sobre o funcionamento do setor.

Colocamo-nos à inteira disposição para mais informações e esclarecimentos pelo whatsapp 41 3901 5204, a qualquer horário, em qualquer dia.

Informações também podem ser obtidas pelo endereço eletrônico biblioteca@araucaria.pr.gov.br ou pelo Messenger do Facebook (facebook.com/smctbipa).


Equipe BIPA

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

O Benefício da Dúvida | Ferreira Gullar

"Difícil é lidar com donos da verdade. Não há dúvida de que todos nós nos apoiamos em algumas certezas e temos opinião formada sobre determinados assuntos; é inevitável e necessário. Se somos, como creio que somos, seres culturais, vivemos num mundo que construímos a partir de nossas experiências e conhecimentos. Há aqueles que não chegam a formular claramente para si o que conhecem e sabem, mas há outros que, pelo contrário, têm opiniões formadas sobre tudo ou quase tudo. Até aí nada de mais; o problema é quando o cara se convence de que suas opiniões são as únicas verdadeiras e, portanto, incontestáveis. Se ele se defronta com outro imbuído da mesma certeza, arma-se um barraco.

De qualquer maneira, se se trata de um indivíduo qualquer que se julga dono da verdade, a coisa não vai além de algumas discussões acaloradas, que podem até chegar a ofensas pessoais. O problema se agrava quando o dono da verdade tem lábia, carisma e se considera salvador da pátria. Dependendo das circunstâncias, ele pode empolgar milhões de pessoas e se tornar, vamos dizer, um "führer".

As pessoas necessitam de verdades e, se surge alguém dizendo as verdades que elas querem ouvir, adotam-no como líder ou profeta e passam a pensar e agir conforme o que ele diga. Hitler foi um exemplo quase inacreditável de um líder carismático que levou uma nação inteira ao estado de hipnose e seus asseclas à prática de crimes estarrecedores.

A loucura torna-se lógica quando a verdade torna-se indiscutível. Foi o que ocorreu também durante a Inquisição: para salvar a alma do desgraçado, os sacerdotes exigiam que ele admitisse estar possuído pelo diabo; se não admitia, era torturado para confessar e, se confessava, era queimado na fogueira, pois só assim sua alma seria salva. Tudo muito lógico. E os inquisidores, donos da verdade, não duvidavam um só momento de que agiam conforme a vontade de Deus e faziam o bem ao torturar e matar.

Foi também em nome do bem - desta vez não do bem espiritual, mas do bem social - que os fanáticos seguidores de Pol Pot levaram à morte milhões de seus irmãos. Os comunistas do Khmer Vermelho haviam aprendido marxismo em Paris não sei com que professor que lhes ensinara o caminho para salvar o país: transferir a maior parte da população urbana para o campo. Detentores de tal verdade, ocuparam militarmente as cidades e obrigaram os moradores de determinados bairros a deixarem imediatamente suas casas e rumarem para o interior do país. Quem não obedeceu foi executado e os que obedeceram, ao chegarem ao campo, não tinham casa onde morar nem o que comer e, assim, morreram de inanição. Enquanto isso, Pol Pot e seus seguidores vibravam cheios de certeza revolucionária.

É inconcebível o que os homens podem fazer levados por uma convicção e, das convicções humanas, como se sabe, a mais poderosa é a fé em Deus, fale ele pela boca de Cristo, de Buda ou de Muhammad. Porque vivemos num mundo inventado por nós, vejo Deus como a mais extraordinária de nossas invenções. Sei, porém, que, para os que crêem na sua existência, ele foi quem criou a tudo e a todos, estando fora de discussão tanto a sua existência quanto a sua infinita bondade e sapiência.

A convicção na existência de Deus foi a base sobre a qual se construiu a comunidade humana desde seus primórdios, a inspiração dos sentimentos e valores sem os quais a civilização teria sido inviável. Em todas as religiões, Deus significa amor, justiça, fraternidade, igualdade e salvação. Não obstante, pode o amor a Deus, a fé na sua palavra, como já se viu, nos empurrar para a intolerância e para o ódio.

Não é fácil crer fervorosamente numa religião e, ao mesmo tempo, ser tolerante com as demais. As circunstâncias históricas e sociais podem possibilitar o convívio entre pessoas de crenças diferentes, mas, numa situação como do Oriente Médio hoje, é difícil manter esse equilíbrio. Ali, para grande parte da população, o conflito político e militar ganhou o aspecto de uma guerra religiosa e, assim, para eles, o seu inimigo é também inimigo de seu Deus e a sua luta contra ele, sagrada. Não é justo dizer que todos pensam assim, mas essa visão inabalável pode ser facilmente manipulada com objetivos políticos.

Isso ajuda a entender por que algumas caricaturas - publicadas inicialmente num jornal dinamarquês e republicadas em outros jornais europeus - provocaram a fúria de milhares de muçulmanos que chegaram a pedir a cabeça do caricaturista. Se da parte dos manifestantes houve uma reação exagerada - que não aceita desculpas e toma a irreflexão de alguns jornalistas como a hostilidade de povos e governos europeus contra o islã -, da parte dos jornais e do caricaturista houve certa imprudência, tomada como insulto à crença de milhões de pessoas.

Mas não cansamos de nos espantar com a reação, às vezes sem limites, a que as pessoas são levadas por suas convicções. E isso me faz achar que um pouco de dúvida não faz mal a ninguém. Aos messias e seus seguidores, prefiro os homens tolerantes, para quem as verdades são provisórias, fruto mais do consenso que de certezas inquestionáveis."

Ferreira Gullar | Folha de São Paulo | Seção Ilustrada | 19/02/2006

Fonte: adoropapel.com.br

FERREIRA GULLAR (1930-2016), pseudônimo de José de Ribamar Ferreira, foi um poeta, crítico de arte e ensaísta brasileiro. Abriu caminho para a "Poesia Concreta" com o livro "A Luta Corporal". Organizou e liderou o movimento literário "Neoconcreto". Recebeu o Prêmio Camões, em 2010. Em 2014, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.

terça-feira, 14 de julho de 2020

14 de julho na Roça - Raul Pompeia


O conto é a narrativa de um 14 de Julho na Roça, o feriado em que era comemorada a queda da Bastilha, vivenciado por um rico fazendeiro chamado Salustiano da Cunha, que se descobre, de uma hora para outra, um fervoroso republicano, decisão que aponta para o desajuste entre nosso meio rural e o liberalismo que grassava pela Europa. Publicado em 1883 no periódico Gazeta de Notícias, 14 de Julho na Roça é um conto que tem como cenário a expansão dos ideais abolicionistas e republicanos durante os últimos anos de nosso período monárquico.
Saiba mais sobre Raul Pompeia


14 DE JULHO NA ROÇA - Raul Pompéia

"14 de julho é a grande data. Ecoa na história com as mesmas vibrações que deve proferir sobre o mundo a trombeta de Josafá, em plena consumação dos séculos.

A Marselhesa é o gemido humano chamado às armas.


A queda da Bastilha é o pavoroso esboroamento do passado, batido pelo futuro.


A pirâmide da opressão tinha por base o grande cárcere e por vértice a coroa do rei; o povo
devasta a pirâmide de alto a baixo; arrasa o alicerce, aniquila o píncaro.


Cai a Bastilha, morre Luís XVI.


Do cataclisma ergueu-se sangrenta a grande mão do direito humano saciado, e abriu os dedos sobre aquele caos, como as irradiações de uma estrela grandiosa e serena. 


À luz deste sol, começou a desfilar a procissão dos séculos...


Curvado um dia sobre essas páginas épicas da lenda das gerações, inclinado à beira
vertiginosa do báratro onde revoluteiam os fantasmas indistintos e medonhos daquele terremoto social, refletindo na humanidade e nos seus destinos, foi assim que o Dr. Salustiano da Cunha descobriu que era republicano. 


Muito republicano; republicano de coração. De coração e de cérebro.


Um homem da época. 


Na qualidade de Campineiro abastado e farto, tinha por si a força do ouro: o elemento moderno do poderio. No século XIX, mais do que nunca, o ouro é o metal dos cetros e das alavancas: só existe para o mando e para a força... 

Ia-lhe próspera a fazenda. As suas vastíssimas terras sumiam-se, sob as ramas escuras dos cafezais, plantados em linha, através de infinitas colinas.


As canas formavam-se por milheiros ao longo das várzeas, imitando tudo respeitáveis fileiras de incógnita milícia. As folhas do canavial refletiam o sol, como se fosse o aço de cem mil baionetas; as plantações de milho sacudiam belicosamente os penachos roxos, como as insígnias gloriosas de um imenso estado-maior.


Tudo ali estava perfilado e firme, como se faltasse apenas o grito de marcha, para os batalhões precipitarem-se... 


O Dr. Salustiano, com as mãos nas cadeiras, por baixo do pala de brim, contemplava, ufano, aquele exército fantástico que tinha sob o seu comando absoluto e despótico.
 

O próprio céu parecia fugir para cima, com o seu azul e com as suas estrelas, amedrontado por aquelas hostes, mais arrogantes, sem dúvida, que as dos bárbaros do norte, que tinham lanças para escorar o próprio firmamento.

Era um homem forte, portanto, o nosso doutor.


Podia soltar gargalhadas às barbas da prepotência corruptora do rei; podia rebelar-se, como Lúcifer, e rir do paraíso perdido; podia gritar que viesse abaixo a tirania, e recusar um
arqueamento da espinha à majestade sagrada do direito divino. 


Viva a República!


A santa causa encontrava nele um pulso valente para o combate.


Cada golpe da sua durindana democrática e demolátrica seria uma vitória para o grande partido dos direitos do homem canonizados! 


O Dr. Salustiano era entusiasta. Estava disposto a declarar guerra a tudo que não fosse
democracia republicana. Só curvaria a fronte ante a aristocracia do talento.


Para isso verdejavam-lhe os cafezais pingues; para isso, o canavial afiava as folhas umas nas outras, como espadas, e o milho cabeceava empenachado como um marechal. 


Daí vinha-lhe a força.


(...)"


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